domingo, 3 de junho de 2007

Escola dos Guerreiros Sem Armas....


Este texto eh o texto original do artigo publicado na Incrivel Historia da revista Capricho edicao no. 1018 de 13 de Maio de 2007.
Por João Felipe Scarpelini com colaboração de Luiza de Sá e design de Tereza Bettinardi fotos Biga Appes e Ilustração Necas






A incrível história dos guerreiros sem armas...
Se reunir um grupo de amigos para fazer alguma coisa muitas vezes nao eh uma tarefa facil, imagine entao juntar um grupo de pessoas que nunca se viu, tem historias diferentes e nem falam a mesma lingua para lutar por um sonho comum!?





60 pessoas... 30 dias... 15 paises... 1 desafio! MUDAR O MUNDO!

Parece loucura! Mas esse eh o objetivo da Escola de Guerreiros Sem Armas que rolou de 5 de Janeiro a 5 de Fevereiro na cidade de Santos, litoral paulista.

A iniciativa reuniu uma galera de diversas tribos para viver na pratica o desafio de fazer a diferenca. O chamado foi simples, um grito que rodou o mundo atraves da internet, uma proposta tentadora de mudar o mundo brincando.

Para comecar, um jogo de tabuleiro, cada guerreiro interessado em participar do desafio deveria baixar o jogo de tabuleiro da internet e jogar - com amigos, sozinhos, nao importa. O importante era jogar com o coracao e anotar tudo em um diario de bordo. O desafio final para entrar para a escola era simples: desenhe um mundo melhor!

Foi assim que rolou a selecao dos 60 bravos guerreiros que se juntaram para mudar a historia de um lugar. Eles vieram de mundos distantes, com historias e vivencias diversas mas com um sonho em comum de fazer a diferenca e mostrar que um outro mundo eh possivel.

O campo de batalha onde esta historia aconteceu se chama Paqueta(acento no A), um bairro de Santos famoso pela violencia e alto nivel de criminalidade, porem, diferente de qualquer outra guerra, os Guerreiros Sem Armas vieram para somar esforcos com os Guerreiros do Paqueta - um povo que luta dia-a-dia para superar as dificuldades e batalhar por seus sonhos, em busca de um bairro melhor.




Os guerreiros chegaram. Vieram de onibus, aviao, carona, ou ate mesmo a peh, eles foram chegando e trouxeram em suas bagagens pedacinhos de suas vidas e historias representados em objetos que lembrassem suas raizes. Uma maneira de sentir-se em casa durante os dificeis dias de batalha.





BOX DE COISAS QUE OS GUERREIROS TROUXERAM
- terere do paraguai
- sapo de pelucia do uruguai
- rapadura de natal
- varios instrumentos musicais.....






Eles trouxeram seus sonhos, seus medos, ........

No primeiro momento, reunidos em circulo, os guerreiros se apresentaram um a um. “O que te trouxe aqui?”. Cada guerreiro teve que desarmar-se dos seus medos, preconceitos e pre-concepcoes para enfrentar o grupo com um sincero olho no olho, dividindo um pouco de sua historia ate ali e o que atraiu cada um para o tal desafio.

“Eu trouxe na bagagem meu carinho, minha cultura, minhas excelentes qualidades e meus piores defeitos, vim com uma sincera disposicao de aprender.” Disse um dos guerreiros.

Ja neste momento os guerreiros enfrentaram os primeiros desafios: conviver com as diferencas, varios estilos e culturas, diversas linguas! Afinal, para se formar enquanto grupo, eh preciso entender as diferencas e lidar com elas.

E se voce acredita que “QUEM TEM BOCA VAI A ROMA!” saiba que nem tudo eh tao romantico quanto parece! Imagine soh, acordar com alguem falando swahili na sua orelha; ou cozinhar com instrucoes em Hurdo (lingua do pakistao); reunioes em caxinaua (lingua indigena) ou ate mesmo pedir um simples guarana em ingles no bar da esquina! Os guerreiros tiveram que criar formas de se comunicar e se entender para atingir seus objetivos.


Outro desafio foi a alimentacao vegetariana, a razao era justamente concientizar os guerreiros sobre o consumo excessivo de carne e seus efeitos no meio ambiente, como desmatamento, etc. Tania Sere, estudante de arquitetura do Uruguai, acostumada a comer carne todos os dias foi a que mais sentiu a mudanca, diz ela que nos primeiros dias foi bem dificil, mas que no final acabou ate gostando. Outro caso foi o de Mila Kei Hama Motomura, ela conta que o cardapio estava muito caprichado e gostoso, mas que sentiu sim saudades da comidinha de casa! Ela contou que voltou da experiencia diferente, mudando alguns itens na sua alimentacao diaria, priorizando seu cafe da manha com muitas frutas e reduzindo o consumo de carne em suas refeicoes.




Apresentacoes feitas, desafios superados, chegou a hora de trabalhar! Ou nao, uma vez que a proposta era justamente mudar o mundo brincando!


A metodologia criada pelo Instituto Elos, idealizador do projeto, buscava justamente mostrar que eh possivel e prazeiroso fazer a diferenca. O que transformou o trabalho duro em uma grande brincadeira. Na verdade um jogo! Onde era preciso estar conectado consigo mesmo, com o grupo e com o planeta, assim como em um jogo de tabuleiro, os guerreiros tiveram de passar por provacoes que envolviam os 4 elementos da natureza.










Terra, fogo, agua e ar! Cada elemento possui qualidades especificas a serem desenvolvidas pelos guerreiros, para isso as atividades foram guiadas pelo indio Kaka Wera (acento nos ultimos As) do Instituto Arapoty, nelas os guerreiros vivenciaram experiencias que exigiram superacao e cooperacao, o que uniu cada vez mais o grupo.

Qualidades de cada elemento:






FOGO:
- Acao;
- Dinamismo;
- Impulso;
- Transformacao;
- Paixao.














AR:
- Solidariedade;
- Compaixao;
- Expansao;
- Intuicao;
- Interligacao dos elementos.















TERRA:
- reconhecimento de limites;
- auto-confianca;
- materializacao;
- receptividade;
- realizacao.











AGUA:
- flexibilidade;
- abundancia;
- emocao;
- sensacao;
- liberdade com direcao.








“Participar dos jogo dos elementos, me aproximou de nossas raizes e me levou a pensar sobre como lidamos com nossos sentimentos. Tenho certeza que tudo aquilo me fez mais forte, me preparou espiritualmente para o trabalho que estava por vir!” disse a guerreira Marccella Lopes, de 21 anos, estudante de economia.

Com todas as ferramentas nas maos, os guerreiros estavam prontos para iniciar sua jornada, e dai veio talvez o pior dos desafios, se desarmar.




Cada guerreiro trazia consigo marcas de vivencias em sua bagagem, experiencias ja passadas, coisas que aprenderam, acreditavam. Porem, para entender o desconhecido, era preciso abrir mao de seus conhecimentos, de sua forma de trabalho, seus habitos e suas crencas, tudo aquilo que pudesse servir de arma no territorio hostil que estavam por desbravar.

A missao do grupo era de criar um OASIS em um lugar que parecia antes arrasado por um vendaval. O bairro do Paquetá em Santos – SP foi escolhido como cenario deste desafio. “O objetivo eh treinar pessoas para lidar com situacoes de catastrofes, como tsunamis e terremotos, aprendendo a trabalhar juntos aproveitando a energia e a diversidade de cada um!” explicou Edgar Gouveia Jr. Diretor-presidente do Instituto Elos.








Para comecar a mudanca, eh preciso estar de olhos atentos e coracao aberto. O primeiro passo eh sair de sua zona de conforto, tentar entender o outro, tentar ver o mundo por outros olhos. Eh conhecer e conversar com as pessoas do lugar. Elas são as melhores testemunhas do que é preciso mudar em sua realidade.








Nesse momento foram plantadas as sementes de relacionamentos e futuros trabalhos com a comunidade. Os primeiros a chegarem juntos aos guerreiros foram as mulheres e as criancas. Os jovens estrangeiros despertavam a curiosidade dos pequenos, especialmente a pasquistanesa Farkhanda Aslam, sempre vestida com seu belo veu. “Ela nao esta com calor nao ?” perguntava preocupado o garoto Ytalo, 10 anos.




Voce sabe o que eh um cortico!? –
De acordo com o Wikipedia, um cortiço é um aglomerado de casas que serve de habitação coletiva para a população pobre. A expressão surge a partir do nome de uma estalagem anti-higiênica que havia no Rio de Janeiro e que, a muito custo, foi demolida pelo prefeito Barata Ribeiro, em 1893.

Os guerreiros percorreram as ruas do bairro, batendo de cortico em cortico com uma pergunta: Quais sao seus sonhos? O que voce quer para o seu bairro? Como voce pode nos ajudar? Qual eh o seu talento?

As respostas vinham em sorrisos abertos e dispostos a ajudar. Os guerreiros foram montando um quebra cabeca, identificando as necessidades do local, os recursos humanos e materiais disponiveis, foram assim desenhando um plano de acao.

O trabalho dos guerreiros começou no prédio de um antigo frigorífico abandonado, realizando o desejo da população do bairro em transformar o local em Centro Cultural. O lugar era batizado de “Trevas” porque era utilizado para o consumo de drogas, estrupros e acerto de contas entre traficantes, tambem servia para deposito de lixo!





A situacao era tao critica que exigia o uso de mascaras, botas e luvas para entrar! E exigia tambem uma faxina completa antes de qualquer coisa, e os guerreiros nao exitaram em fazer.
A limpeza foi a primeira etapa do processo, e a mais dificil, foram retirados 7 caminhoes de muito lixo, seringas, camisinhas, restos de tudo e mais um pouco! E a comunidade nao ficou soh assistindo nao! Todo mundo botou a mao na massa (quer dizer, no lixo!) e ajudou fazendo a sua parte.





Depois de 3 semanas o lugar estava limpo! Pronto para receber um mutirao de gente, guerreiros ou nao, dispostos a doar um pouco de seu tempo para transformar o que antes eram “Trevas” em um espaco de cultura e lazer.



O desafio desses jovens nesses cinco dias foi juntar forças para um impacto inicial na comunidade, e conseguir construir projetos de médio e longo prazo que sejam sustentáveis, além de garantir o preparo das lideranças para manter os projetos. Todas as ações foram realizadas com o apoio da comunidade do Paquetá e abertas para participação da sociedade santista, que ainda pode colaborar com o seu trabalho, material e recursos financeiros.

A pedidos da comunidade do Paqueta, tambem foi criado um Jardim Encantado, um espaco comunitário para a criancada que está localizado em um antigo terreno baldio, e hoje abriga a sede do clube das criancas, um grupo de criancas moradoras dos corticos que se uniram para proteger o meio ambiente no bairro!

Para fechar em grande estilo, os guerreiros cairam no samba ao som da bateria que levantou a comunidade nas ruas dos corticos. Foi o momento de apresentar ao mundo os resultados conquistados pelos guerreiros.

“Foi fantástico, espetacular. Tomamos aquele espaço com outra energia” – lembra a gaúcha Denise Pessoa ao contar sobre o momento em que escola de samba chegou ao novo centro cultural.
“Não consigo falar da importância do trabalho para a comunidade do Paquetá, posso falar da importância para mim: conheci muitas pessoas especiais, fiz amigos, pude ver como o trabalho em grupo é potente e pode transformar muitas coisas, e vejo sementes que foram semeadas durante o trabalho. O próximo passo é regar essas sementes e não deixá-las morrer!” lembra Mila Motomura.

Ficou claro para todos ali presentes que o mais importante foi à transformação de vidas, de todos os guerreiros ou nao, que acreditam e lutam todos os dias por um mundo melhor.


A Universidade Aberta de Verao - Escola de Guerreiros Sem Armas é um curso de imersão que tem como objetivo uma experiência de formação e ação entre jovens de diferentes culturas e o Paquetá - comunidade do cortiço do centro da cidade de Santos-SP. Participaram desse projeto 53 jovens de 16 países de 4 continentes, entre os dias 5 de janeiro a 5 de fevereiro de 2007. Maiores informacoes sobre todo o processo e tambem mais fotos, confira no site http://www.institutoelosbr.org.br/uav/ua2007p.htm.


Para ver a versao editada que saiu na capricho, esta online no site Planeta Sustentavel: